sábado, 18 de setembro de 2010

T(r)ópico #55 - As serpentes urbanas Angolanas!

Realmente, e para quem duvidava, as serpentes urbanas angolanas existem mesmo! São enormes, densas, arrastam-se vagarosamente e tendem a agrupar-se nos entroncamentos e cruzamentos!

Falo das serpentes de carros que, um atrás do outro, fila ao lado de fila, entopem todas as artérias da cidade, espalhando o seu veneno tóxico por todo o lado, deixando um rasto de névoa escura pelos céus de Luanda.

Tal como com as serpentes selvagens (as verdadeiras), aqui todas as pessoas as evitam, fogem delas, têm medo... de ficar horas as fio a esvaírem-se em desespero, a lamentarem as horas, os acidentes, a confusão, os que se metem pela esquerda, os que se metem pela direita, os que, impacientes, buzinam atrás quando nada se mexe à frente... todos as evitam... mas elas estão por todo o lado... e no fim... todos são por elas "picados"...

...Ficam ali... moles, com o sol de chapa, a elevar ainda mais a já alta temperatura (safam-se os que têm AC), a olhar para o anteontem, a pensar no amanhã, a suspirar... quando mal se consegue respirar... pois esta serpente é daquelas que apertam mesmo bem...

Por vezes são escassos centímetros, milímetros até, que separam a batida... e quando batem mesmo... bom então aí há "Maka!" Saem dos carros, gritam, gesticulam, esperneiam, e agridem se for preciso... para no fim, ir cada um para seu lado... pois seguros aqui... é como o oásis no deserto! É uma miragem!

Cada um assume a sua despesa, e se o carro já não andar, não há "Maka!". Amarra-se uma corda ao candongueiro, e este vai ali, ligado por uma corda-umbilical, a puxar o outro! E se levar os 4 piscas ligados, vais cheio de sorte, pois a grande maioria, nem um tem, quanto mais 4!!!

Mas estas serpentes... são as serpentes do centro da cidade! Fora dele... há um outro tipo de serpente, ou melhor... de serpentear!!!

Bem vindo a... Luanda Sul!!!

....

A sul de Luanda, fica uma área que designam de Luanda Sul. É no fundo uma área nova da cidade, ligada à cidade "antiga" por uma artéria nevrálgica que atravessa toda a Samba e vai dar ao município de Benfica (Norte), a uma zona nova chamada de Talatona.

Talatona é uma área nova, maioritariamente residencial, composta por grandes e "luxuosos" condomínios (entenda-se luxuoso como um luxo relativo, atendendo aos padrões africanos), pontuada por algumas zonas de torres de escritórios de arquitectura do vidro (muito conveniente - ironicamente falando - para um país tropical, com temperaturas elevadíssimas e uma exposição solar intensa), e ainda o único centro comercial existente até ao momento, o Belas Shopping.

Esta zona foi e está a ser construída maioritariamente por uma empresa brasileira, a Odebrecht, que a nível das infraestruturas, as constrói exclusivamente.

Então o que é que obtemos!? Um país Africano, Angola, descoberto e colonizado por um país Europeu - Portugal, que edificou e criou a maioria das infraestruturas do país, é agora infra-estruturado por uma companhia de um país Sul-Americano, o Brasil, também ele uma ex-colónia do tal país europeu, e urbanizado (operações urbanísticas de condomínios) por... Chineses!!!

Bom, já se está a imaginar a bela salganhada que isto dá!!!

Resumindo, em Angola, numa área nova da cidade antiga, de estrutura e linhas portuguesas, temos chineses a construir numa infraestrutura brasileira!!!

E é essa mesma infraestrutura que, em Luanda Sul, se ganha uma nova dimensão da expressão serpentear!

Embora as sinuosas estradas da cidade original, penhadas de carros, o possam realmente parecer, eu entendo como serpentear os zig-zagues inúteis e sem sentido que aqui somos obrigados a fazer! Levando o carro a serpentear entre estradas e retornos, fazendo kilómetros atrás de kilómetros para virar e voltar ao mesmo sítio quando, uma simples rotunda, permitiria seguir em frente...

Está certo que aqui as rotundas, ao contrário das europeias (e a cidade de Viseu, nisto tem um doutoramento - Case Study), em vez de circularem e escoar o trânsito, têm o efeito oposto... atrofiam e congestionam... e porquê!? pergunta o meu leitor mais curioso...

É muito simpes! Porque como as regras de trânsito aqui não existem, ou pelo menos não são aplicadas, então entra toda a gente ao mesmo tempo para a rotunda, ignorando a regra da prioridade, e congestionando-a!

É claro que depois novas regras de prioridade são criadas, como por exemplo: tem prioridade o carro mais robusto, ou o carro mais "podre" (pois este está pouco preocupado se leva mais uma batida); ou por exemplo da regra da prioridade do nariz! Passo a explicar.. o carro que primeiro conseguir meter o nariz, tem prioridade sobre o outro... Afinal... até no Caos, na confusão do trânsito, se encontram regras...!!!

Mas voltando aos retornos...

A infraestrutura rodoviária criada pela tal empresa brasileira, implementou em Luanda Sul, o sistema do seu país natal, no qual se ressaltam os tais retornos.

O retorno é uma forma de, nas vias rápidas, se inverter a marcha para o sentido oposto. É um sistema económico muito utilizado em países menos desenvolvidos, pois permite efectuar inversão de marcha em vias rápidas sem recorrer a viadutos, pontes ou túneis. O problema aqui, reside basicamente em 3 aspectos:

1. O primeiro e mais gravoso, é que eles se localizam sempre do lado esquerdo das vias rápidas, e é na faixa mais à esquerda que se circula mais rápido. Então, para entrar num retorno o condutor tem que colocar o seu carro na faixa mais rápida e reduzir a sua velocidade para entrar no retorno. Quando sai, acontece exactamente o inverso, sai com uma velocidade reduzida (os que não se espetam contra os rails dos retornos), e entra num curto espaço directamente na faixa de maior velocidade.

Bom... não é preciso puxar muito pela imaginação para se perceber o que muitas vezes acontece...
Aliás, quem tiver um gosto especial e fascínio pelos acidentes automóveis mais estapafúrdios basta que pegue numa cadeira, se sente (à sombra de preferência) à beira da estrada num local seguro, e em meia tarde vê certamente meia dúzia de acidentes, ou um cento de "quase acidentes" de arrepiar a espinha de um gato!

2. O segundo aspecto, prende-se com os condutores que depois, ao saírem dos retornos, se querem deslocar para a faixa deles, ou seja, para a faixa da direita. E isto acontece muito, principalmente com os camiões.

Para ser mais claro, vamos fazer um pequeno exercício (que não é mais do que a descrição de um episódio típico, centenas de vezes presenciado): Um camião pesado, cheio de areia para uma das milhares de obras que aqui existem, pretende sair do retorno e passar para a faixa mais à direita. Sai do retorno a cerca de 20 ou 30km/h e entra numa faixa onde carros circulam a mais de 140km/h. Ao sair da faixa de aceleração, deve já ter atingido os 40/60km/h, e resolve então fazer uma diagonal pelas 2/3 faixas de rodagem até se posicionar na faixa mais à direita, a cerca de 80km/h, deixando uma nuvem densa de pó, (metade causada pela areia que transporta, a outra metade pela areia que se acomula sempre na berma das estradas, juntamente com os restos dos pneus rebentados). Bom não é preciso fazer um filme para se imaginar o que acontece... No meio deste processo, há carros a passar a 140km/h pela esquerda e pela direita, buzinadelas por todo o lado e quando um dos carros que ultrapassa o camião pela direita, após atravessar a núvem de pó, se depara com um outro camião em marcha lenta... "Pum!!!"

É nessa altura altura que o curioso que gosta de assistir aos acidentes, e que estava já a adormecer debaixo da sombra que encontrou, se levanta e diz: "xiiiiiiii.... mais um!".

3. O terceiro aspecto, e mais frustrante de todos, é o tempo que se perde para fazer um trajecto aparentemente rápido e curto, e que se transforma num longo e penoso caminho sem sentido.

É o desespero de ver a continuidade da estrada mesmo à nossa frente, do outro lado da via, mas que para lá chegar e dar continuidade ao trajecto, tem que se percorrer mais não sei quantas centenas, por vezes vários milhares de metros, até chegar a um retorno, e fazer tudo de novo até ao mesmo ponto onde nos encontrávamos, só para passar para o outro lado da estrada...

Já para não falar nas estradas de um só sentido, que nos obrigam a ziguezaguear como uma serpente a imitar uma barata tonta, e que nos forçam a fazer o triplo ou o quadruplo dos quilómetros, só para "ir daqui ali"...

Apresento um exemplo de um trajecto que faço com alguma regularidade:

A verde, o trajecto que seria lógico efectuar.
A vermelho, o que sou obrigado a fazer....

imagem 1

imagem 2

Em diagrama, para uma melhor percepção.
Trajecto verde (o lógico): 0,150km
Trajecto vermelho (o real): 2,750kmTrajecto verde (o lógico): 1,100km
Trajecto vermelho (o real): 3,750km

E tudo isto poderia ser resolvido com uma simples rotunda... e claro, civismo ao volante! Duas coisas bem complicadas de encontrar!!!

E eu até percebo porque não existem rotundas nestas novas vias, não é só a questão de que quando fazem uma rotunda de dimensões normais, esta rapidamente fica congestionada, é também porque dá imenso jeito à empresa que agora constrói e implementa esta estrutura viária vir, daqui a 4 ou 5 anos, partir tudo de novo para meter rotundas onde antes as poderia ter colocado. Lógico, não? É claro que a lógica a que aqui me refiro é a do Dólar. "Porquê fazer agora bem e ganhar por isso, quando posso fazer mal agora para depois voltar para remendar e ganhar o dobro!?"

Há ainda a questão dos semáforos nas passadeiras. Em Portugal, e outros países da Europa, os semáforos são colocados antes de modo a que o condutor imobilize a sua viatura antes de chegar junto da passadeira. Aqui não!

Aqui, tal como no Brasil (e não admira que assim seja, uma vez que a empresa que está a infra-estruturar esta área é brasileira), os semáforos aparecem depois da passadeira. Já se está mesmo a ver o que acontece! Os condutores quando param os carros, (e os que param, pois há os que ignoram simplesmente), param já em cima da passadeira. E quando até conseguem parar antes, param já para lá da barra pintada no pavimento. O que já não é mau, pois já garante alguma segurança, mas... mas, isso dá direito a multa. E claro, quem é que se fica a rir com isto? O belo do Polícia que monta o seu estaminé à sombra junto a uma passadeira, e fica ali a esfregar as mãos de contente a ver quem é o primeiro branco que para o carro para lá do limite da barra para de imediato o mandar parar, desenrolar todo o rol teatral que se faz, para no fim ganhar a sua "gasosa", e desejar: "bom fim de semana, senhor condutor".

Fico com a ideia que este sistema de sinalização luminosa junto das passadeiras deve ter sido negociado com a Administração Central, a quando da decisão da suma implementação, como uma forma de "compensar" o árduo trabalho dos agentes de segurança rodoviária, já que eles aqui... "trabalham muito"!

Não se engane o meu leitor, pois estes termos todos pomposos que aqui escrevo como: "agentes de segurança rodoviária", e outros, não são propriamente a imagem que tem no seu país dessas instituições e agentes... aqui, bom aqui tudo é, digamos... "contornável".

O problema é que, por mais que resistamos, acabamos sempre por ser "picados por estas serpentes", e damos por nós, a ziguezaguear atordoados nas filas sem fim, anestesiados pelo longo arrastar das horas, de suspiro atrás de suspiro, envenenados por este serpentear rodoviário...

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